Padre Oscar, quais foram as suas expectativas e temores diante do trabalho na Etiópia?
Eu recebi a notícia do meu envio com muita alegria de poder ser uma pequena presença de esperança num país que estava saindo de uma sangrenta guerra civil que deixou milhares de mortos, mutilados, órfãos e viúvas. Entre os temores estava a dificuldade para entrar no país e o aprendizado da língua amharico (semítica), nada fácil.
Como foi a sua adaptação e inculturação na realidade daquele povo?
Eu creio que tal processo continua e nunca se acaba. A Etiópia tem um povo acolhedor, respeitador, humilde, orgulhoso de sua cultura, de suas tradições milenares e de sua história, o que o faz único na África. Este encontro cultural tem sido para mim uma experiência enriquecedora e de purificação (às vezes, dolorosa) que tem me ajudado a buscar razões mais profundas do meu ser e fazer a missão.
A Etiópia situa-se numa importante área do leste africano conhecida como “Chifre da África”. Como está a situação sociopolítica hoje, principalmente a relação com os vizinhos Eritréia e Somália?
A tensão com os países fronteiriços é ainda forte e, às vezes, teme-se pelo reinício dos conflitos armados. Um pouco de história nos ajuda a entender melhor a situação atual. A Eritréia esteve sob a influência italiana desde o final do século XIX até a II Guerra Mundial. Em 1952, ela entrou na Confederação com a Etiópia. Porém, em 1961, o imperador Haile Selassie anexou-a unilateralmente, dando início à guerra pela independência, que durou até 1991. Em 1993, a Eritréia realizou um referendo (99%) e conseguiu a liberdade. Porém, algumas zonas limítrofes não foram demarcadas. Em 1998, a Eritréia atacou algumas delas, especificamente a região de Badme, que estava sob a administração da Etiópia, o que provocou a guerra das trincheiras, causando mais de 80.000 mortos, de ambas as partes. Em 2000, a Etiópia recuperou os territórios invadidos e um frágil acordo de paz, com a supervisão das Nações Unidas e uma comissão internacional designou diversas partes das zonas disputadas a ambas as partes. Porém, o povo de Badme foi entregue a Eritréia. Tal demarcação de fronteira continua sendo uma das razões do conflito latente entre os dois países. As relações com a Somália também causam conflitos. Em 2006, a Etiópia enviou ajuda militar (soldados e armas) para apoiar o governo de transição que estava isolado em Baidoa, já que as cortes islâmicas tinham tomado o controle da grande parte do país e da capital, Mogadíscio. Com a ajuda da Etiópia, o governo de transição obteve uma grande vitória em pouco tempo. Mas, os seguidores da corte islâmica se organizaram e atacaram diversas vezes as tropas etíopes, que prometeram deixar o território tão logo a situação se normalizasse e uma força de paz africana continuasse com a transição. Para agravar o problema, a região etíope de Ogaden, na fronteira com a Somália, com uma população étnica somali, formou grupos armados independentes e está incrementando ataques contra as forças da Etiópia.
Como é a convivência entre os cristãos católicos (minoria) e os cristãos ortodoxos (maioria)?
São respeitosas e cordiais. Os católicos somam 0,9% da população, ou seja, meio milhão de habitantes, enquanto os ortodoxos são 61%. Alguns poucos têm medo, pois recordam ainda o acontecimento de 1624, quando o imperador Susenyos se converteu à Igreja Católica Romana e intentou (com os jesuítas) de “romanizar” a igreja local provocando uma rebelião e uma guerra civil. Sobre as diferenças e semelhanças pode-se dizer que a Igreja Católica tem dois tipos de presença: ao norte e centro do país, ela é parte das Igrejas Orientais e segue o rito litúrgico etíope, portanto, bastante semelhante. Já o sul do país segue o rito latino (onde a liturgia é diversa). Outras diferenças referem-se às questões de disciplina eclesiástica.
Como está a relação e a convivência entre as duas maiores religiões da Etiópia: islamismo e cristianismo?
As relações atuais entre ambas são de respeito, principalmente por parte do povo. Não é o islamismo de linha fundamentalista e chegou ao país em 615, quando o profeta Maomé recomendou a um pequeno grupo que se refugiasse em Axum, escapando da perseguição na Arábia. Forma hoje a segunda religião do país (entre 35% e 40%).
O que significa rito copta e Igreja Copta?
O termo copto faz referência aos cristãos nativos do Egito que pertenciam à Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria (que não aceitou a interpretação sobre as duas naturezas de Cristo dadas pelo Concílio Ecumênico de Calcedônia, em 415). Os cristãos da Etiópia e Eritréia também foram chamados de coptos, provavelmente pela sua relação histórica com o patriarcado de Alexandria. A maioria dos cristãos na Etiópia pertence à Igreja Ortodoxa Etíope que chegou ao país no IV século. O termo rito copta se refere à liturgia da Igreja Ortodoxa Copta, que é uma maneira própria e inculturada de celebrar os mistérios da fé.
Quais são os desafios mais urgentes que o governo e a Igreja devem responder para o bem de todo o povo etíope?
A Etiópia é um país com a maioria da população constituída por jovens sem futuro. São milhares que terminam cada ano a escola média e técnica e a universidade, e não conseguem um trabalho...
José Tolfo é missionário e animador vocacional no Centro Missionário José Allamano, São Paulo. - Publicado na edição Nº08 – Outubro 2007 - Revista Missões.