Habitar terras férteis e fecundas com comida e água em abundância e fazer da vida uma construção de paz e justiça, torna-se ânsia constante e nos impulsiona, como cristãos, a buscar o verdadeiro Pão da Vida e a sermos solidários com aqueles que clamam por melhores dias.
O maná no deserto
O povo de Deus saído do Egito teve que enfrentar muitos desafios, tendo o deserto pela frente “imenso e terrível, com serpentes venenosas e escorpiões, um terreno árido e sem água” (Dt 8, 15). Rodeado de inimigos e próximo à beira de sua ruína, onde encontrou forças para vencer momentos tão difíceis? Se este povo tivesse contado apenas com suas próprias forças e capacidades, certamente teria perecido. Há um apelo forte e emocionante como fio condutor da história: “recorda-te, não te esqueças!” (Dt 8, 2). É um apelo para olhar o passado, tomar em consideração aquilo que Deus fez, lembrar dos prodígios que Ele realizou em seu favor e que devem permanecer sempre no coração e na memória.
São as obras de salvação de Deus. Quais são elas? “Pergunta ao teu pai e ele te contará, aos teus anciãos e eles te dirão” (Dt 32, 7). Esta recomendação foi repetida com muita insistência ao longo da história deste povo, a fim de que, as lembranças das graves dificuldades passadas no deserto e das intervenções providenciais de Deus foram sempre para infundir confiança e esperança. Nisto está a resposta: “aquilo que sai da boca do Senhor” (Dt 8, 15) torna-se uma expressão enigmática, muito embora conhecida quando ainda o povo estava no Egito, indicava o poder da Palavra de Deus de criar algo completamente novo. O pão já lhes era familiar, “no deserto te deu a comer o maná, que teus pais não tinham conhecido” (v 16). O maná era um alimento misterioso, desconhecido e inesperadamente caído dos céus e, por isso, os israelitas o consideraram um dom “saído da boca do Senhor”. Com este alimento o povo de Israel caminhou ao longo do deserto, lembrando que tinha deixado a terra da escravidão e uma vez instalado num país fértil (Dt 8, 7-8), o Senhor o educara para a simplicidade, levando-o a compreender as suas próprias necessidades elementares e que resultam da cobiça, da ganância, da sede de possuir, mesmo que mais tarde, se enchera de orgulho e desprezara o seu Deus (Dt 8, 13-14).
Nesta senda, Elias torna-se o símbolo marcante de quem teve que enfrentar os desafios de um povo de cabeça dura e lutar contra os falsos deuses e seus sacerdotes. Com medo, teve que fugir. Refugiado no Monte Horeb decide “deixar-se morrer” (1Re 19, 1-4).
Mas Deus o desperta do sono e o faz encontrar ao seu lado um pão recém assado: “Levanta-te e come - disse Ele - porque bem longo é o caminho para ti” (1Re 18, 5.7) e alimentado pelo maná, continua sua caminhada, recolocando a verdadeira face do Deus da Aliança ao seu povo. No dizer de São Paulo todas estas coisas “foram escritas para nos servir de aviso” (1Cor 10, 11), para recordar e não esquecer, de que os “40 anos no deserto” é um simbolismo real e concreto de que esta caminhada é busca do verdadeiro pão e o é para toda a vida.
Pão vivo descido dos céus
Jesus Cristo é o pão vivo descido do céu, o novo maná que veio para saciar toda a sede e fome da humanidade. Jesus é o Pão vivo descido do céu para alimentar a multidão que desejava um tempo de paz e de plenitude. Jesus é esse alimento único que sacia a nossa fome de uma vida de eternidade. É no mistério da sua morte e ressurreição que encontramos a experiência de fé e de vida que dá sentido a tudo isto. Um pão que se dá todo inteiro.
Um pão que se torna princípio de comunhão e fraternidade universal. Cristo é o pão eucarístico que nos nutre e ensina a viver segundo um estilo de comunhão neste mundo, quando grande parte da população mundial continua vivendo na mais desumana miséria.
Jesus é o pão da vida que nos impele a trabalhar para que não falte o pão de que muitos ainda necessitam: o pão da justiça e da paz onde as guerras ameaçam e não são respeitados os direitos do homem, da família, dos povos; o pão da verdadeira autonomia onde não existe uma justa liberdade religiosa para professar abertamente a própria fé; o pão da fraternidade onde não é reconhecido e posto em prática o sentido da comunhão universal na paz e na concórdia; o pão da unidade entre os cristãos, ainda divididos, caminhando para partilhar o mesmo pão e o mesmo cálice.
Nós, cristãos, somos chamados a dar este contributo essencial: “se fôssemos simplesmente capazes de pensar em algo fora de nós, de compreender que, em cada minuto da nossa vida, enquanto nós comemos e dormimos, enquanto nos fatigamos por nada, há milhões de seres humanos que são irmãos nossos em Jesus Cristo que morrem de fome e de frio. Se fôssemos simplesmente capazes de pensar nos outros, então já não poderíamos sequer ser felizes sozinhos. Se fôssemos capazes de compreender a miséria dos outros, então chegaríamos a ser homens de verdade” (Raoul Follereau).
A procissão de Corpus Christi
Quando saímos em procissão pelas ruas de nossas cidades na quinta-feira de Corpus Christi, ela nos recorda antes de tudo, que estamos reunidos de todas as partes do mundo para estar na presença do “único Senhor” e Nele, nos tornarmos uma só coisa.
Vamos à rua no pós Eucaristia, alimentados Nele, tendo-O como centro de nossas vidas e o pão que alimenta nossa caminhada: um caminhar constitutivo num só Corpo. Nele somos o Corpo místico da Igreja, cuja cabeça é Ele, vivendo na comunhão manifestada numa procissão, movendo-nos por causa Dele, que é a via. Caminhando nas ruas, Jesus é o dom de si mesmo doado na Eucaristia, é o Senhor que caminha conosco e nos livra de todas as paralisias. Faz-nos levantar, dar um passo adiante e depois outro. Assim nos coloca no caminho - Ele que é o Caminho - com a força desse pão da vida, como aconteceu com Elias e com todos quantos Nele se alimentaram.
Participar da procissão do Corpus Christi deveria provocar um “abalo sísmico” dentro de nossos corações, de nossas comunidades e paróquias, pois nos ensina que “a Eucaristia quer nos livrar de todo abatimento e desconforto, quer nos fazer levantar, para que possamos empreender o caminho com a força que Deus nos dá mediante Jesus Cristo” (Bento XVI). Este caminhar é constitutivo para todo aquele que encontrou “o pão que sai da boca do Senhor” (Mt 4, 4), onde cada um pode encontrar o próprio caminho, e encontrar neste peregrinar Aquele que é a Palavra e pão da vida e deixar-se guiar e conduzir pela sua presença amigável. Como podemos suportar a peregrinação da existência, num contexto tão conturbado a ser reconstruído cada dia, seja cada um de nós a nível pessoal, na sociedade e no mundo sem o Deus conosco, sem o Deus próximo?
A Eucaristia é o Sacramento de um Deus que não nos deixa sozinhos no caminho, mas se põe ao nosso lado e nos indica a direção. É a mesma direção de Seu Filho para que sempre tenhamos capacidade para discernir o caminho justo. Este caminho é fortificado na Adoração ao Santíssimo Sacramento. Não consiste em adorar um mistério do qual pode dar-nos a impressão de ser mais divino do que humano, mas consiste em prostrarmo-nos diante de um Deus como o Bom Samaritano, que primeiramente se inclinou para o ser humano.
Abaixou-se e o socorreu para restituir-lhe a vida ao cuidar de suas feridas, e na sua humildade infinita ajoelhou-se para lavar nossos pés a fim de fazermos parte de Seu Reino. Eis porque a Adoração prolonga-se na comunhão eucarística, extasia a alma e o coração, nutrindo-os de amor, de verdade, de paz; nutrindo-os de esperança, porque Aquele diante do qual nos prostramos não nos julga, não nos fere, mas nos liberta e nos transforma. Eis porque este dia é belo e nos enche de alegria: reunamo-nos, caminhemos, adoremos. E assim teremos a vida em abundância e com um coração novo prosseguiremos a nossa Missão.