Natural de Ascurra, Santa Catarina, depois de 24 anos à frente da diocese, atuando na defesa dos sem-terras, dos direitos humanos, dos índios e do meio ambiente, Dom Antônio, 78, por motivo de idade, no dia 24 de junho entregou o comendo a Dom Bruno Pedron, transferido de Jardim, Mato Grosso do Sul.
Dom Antônio, o senhor participou como delegado na Conferência de Santo Domingo (1992) e este ano em Aparecida. Poderia comparar estas duas Conferências?
A preparação, em ambas, foi levada muito a sério, mas esta de Aparecida teve maior participação. Em Santo Domingo, não houve tanto envolvimento das bases como agora. Desta vez, estabeleceu-se um clima de oração com subsídios para a formação, e grupos de reflexão para a liturgia e pregações dominicais. Antes de Aparecida, a gente se reuniu em Brasília e a 45ª Assembléia da CNBB em Itaici, (de 1 a 9 de maio de 2007) desenvolveu-se em torno do tema da V Conferência. Posso dizer que Santo Domingo foi uma Conferência muito tensa. Sentíamos muita pressão de certos grupos e de alguns representantes da Cúria romana. Com a Presidência do secretariado da Conferência, não havia muito campo de diálogo e certos assuntos não progrediam. No final, saiu um Documento que não caiu no gosto do povo. Tanto é que hoje, citamos muito mais Medellín (1968) e Puebla (1979) do que Santo Domingo. Isso porque a Conferência não aceitou o método tradicional de trabalhar na América Latina, uma herança da Ação Católica: “ver, julgar e agir”. O conteúdo foi bom, mas nós não estávamos acostumados a trabalhar sem esse método. Em Aparecida com base no método “ver, julgar e agir” fomos construindo o Documento em comissões, leituras individuais, contribuições e correções em várias redações. A grande marca dessa Conferência foi o tema central “Discípulos e missionários”. A palavra discípulo foi estudada em profundidade. Vimos que não dá para ser discípulo sem ser missionário.
Qual foi a preocupação da V Conferência em relação à Eucaristia?
Em Santo Domingos houve a tentativa de se discutir a preocupação de garantir ao povo a Eucaristia com a sugestão de se criar uma alternativa de sacerdócio que não fosse unicamente o modelo atual. Isso com base na Igreja Católica de outros ritos onde existe também o padre casado. Mas o assunto não foi adiante. Optou-se pela evangelização da cultura, que foi muito importante e que recebeu maior atenção, embora não naquela dimensão em que se deveria olhar a cultura. Em Aparecida já aparece um discurso no sentido de que é necessário que a Igreja abra a discussão sobre a falta de sacerdotes para garantir a celebração eucarística aos católicos. Mas, o tema apareceu somente nas discussões de grupo. Acredita-se que 70% dos católicos não têm missa aos domingos. Na diocese de Ji-Paraná, são 90 %. Mas, todos os domingos celebra-se o Culto da Palavra e, em grande parte das comunidades, existe a distribuição da Eucaristia. A maioria dessas comunidades são coordenadas por mulheres. Afirmamos a doutrina perene da Igreja, de que o centro e o ápice da vida do cristão é a Eucaristia. O papa nos seus discursos insistiu muito na importância do Dia do Senhor e na comunhão eucarística semanal. Mas como garantir isso se não temos padres? É um questionamento justo.
Aparecida confirmou a importância das Comunidades Eclesiais de Base?
Enquanto os bispos do Brasil falavam das CEBs, representantes de outros países insistiram nas Pequenas Comunidades ou Comunidades Eclesiais. Nessa perspectiva, ganha muita força os Movimentos que normalmente atingem a classe média, porque a classe pobre se identifica mais com as CEBs. As Pequenas Comunidades, para certas classes são mais interessantes. Isto está bem, desde que sejam comunidades que olham como Igreja para a realidade. As CEBs abrangem um campo amplo de ações enquanto que, uma Pequena Comunidade pode se reunir apenas para celebrar o Dia do Senhor, sem se preocupar com a vida dos outros. As CEBs são por excelência: missionárias, educadoras da fé, comunidades que praticam a caridade e resolvem os problemas dos necessitados. No Brasil, os mais antigos conheceram as famosas Capelas que eram comunidades, mas serviam apenas para no domingo rezar o terço sem se preocupar com a rotina da população. As CEBs estão preocupadas com todos os aspectos da vida do povo. Não se pode conceber a nossa Igreja sem as CEBs. Falo pela minha Região: a estrada está intransitável, o povo se reúne, grita, luta e exige solução. Se a água levou a ponte ou o Posto de Saúde não funciona e o município não está resolvendo, eles exigem e, assim por diante. Na minha região o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra – MST, o Movimento de Pequenos Agricultores – MPA e o Movimento Contra as Barragens é formado por membros das CEBs.
A América Latina abriga quase metade dos católicos do mundo. Como o continente poderia contribuir para a Missão Ad Gentes?
Muitas intervenções e discussões nos grupos revelaram preocupação com relação à pouca vibração dos padres e de certa forma, também dos religiosos e religiosas com relação à Missão. Existe uma indiferença em muitos padres, que se concentram na administração deixando de lado o trabalho missionário. Insistiu-se na formação missionária desde os primeiros anos de Seminário. O padre deve ser aquela pessoa que anima essa dimensão, começando na paróquia, na diocese, indo também para outros lugares. Em Ji-Paraná, mais de 40% são evangélicos. Eram católicos, mas agora não são mais. Nós temos padres, mas não há esse ardor missionário de ir, deslocar-se de um lugar bem abastecido de padres para as regiões mais carentes. Na Conferência falou-se sobre a missão Ad Gentes e Inter Gentes. Conheço bispos que estão criando paróquias para dar emprego aos padres. Eu, pelo contrário, estou impedido de criar umas 15 paróquias, por falta de padres.
E a diocese de Ji-Paraná, como vai?
É uma diocese laical em que nós, consagrados e padres somos animadores das pastorais e formadores de leigos. São 80 mil Km2, 750 mil habitantes com 40 padres e cerca de 80 irmãs. Estou em Rondônia há 24 anos. Eu cheguei quando começou a conquista da Amazônia. Lembro-me das florestas que aos poucos foram sendo derrubadas, mas ninguém tinha coragem de enfrentar essa realidade. A maioria das paróquias nasceu por força das irmãs. Há mais de 20 anos temos uma escola para a formação dos leigos. Estamos abrindo agora uma escola de liturgia. Temos também uma escola de Fé e Política, que já tem 18 anos, a primeira que surgiu no Brasil. Além disso, fazemos formação para catequistas e pastoral da saúde onde formamos entre três a quatro mil agentes de saúde. Quem anima as comunidades, as paróquias e a diocese são os leigos. Existem paróquias com até 170 comunidades, distante do centro de 120 a 130 km, e o padre tem que estar presente nos programas de formação. É assim que vai minha diocese. A diocese de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul enviou uma equipe de quatro padres diocesanos; temos outro padre da diocese de Guarapuava, Paraná, que nos ajuda como assessor jurídico na Pastoral da Terra. Ele é advogado e conta com o auxílio de uma irmã. Graças a eles, abrimos um escritório de assessoria jurídica. Não temos leigos missionários vindo de fora porque nossa Escola de Teologia formou muitos deles.
O senhor recebeu ameaças de morte. O que aconteceu?
A realidade de dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu no Pará (Missões, n.08, outubro de 2006) é muito pior do que a minha. Quem levantou a fogueira não fui eu. O estado de Rondônia é marcado pela corrupção de políticos. Para se ter uma idéia, na legislatura passada, dos 24 deputados estaduais, 23 estavam envolvidos em corrupção. O único que não estava era um ex-aluno da nossa escola. A corrupção atingia também o governador. Então, o Conselho Diocesano de Leigos decidiu fazer um cartaz com as fotografias de cada um, inclusive a do governador (Ivo Cassol) e espalhou pelo território da diocese. Ao Conselho de Leigos somaram-se a Igreja de Confissão Luterana, a Transparência Brasil, a Cáritas Diocesana, o Projeto Padre Ezequiel e outras organizações. Como a diocese apoiou a ação, o governador processou o bispo. Mandou recolher todos os cartazes sob pena de pagar R$ 5.000,00 por dia senão o fizesse. Quando saiu a condenação, a imprensa foi até a Cúria Diocesana. No momento da coletiva de imprensa o governador apareceu exigindo que eu o recebesse. Eu o recebi, mas ele entrou com atitudes pouco educadas e foi logo ofendendo. Pedi que ele se calasse porque eu tinha, na minha mesa, todos os inquéritos contra ele. Fui logo enunciando todas as denúncias de corrupção. Ele queria me interromper, mas eu prossegui com a palavra. No dia seguinte divulgaram uma carta anônima com ameaças de morte. Diante disso, foram tomadas algumas providências, inclusive o destacamento de policiais para minha proteção pessoal. Passado um mês, pedi para que as autoridades os dispensassem. O que me alegra é o fato de ver os leigos assumindo o seu lugar, resultado da nossa Escola de Fé e Política. Dos deputados envolvidos em corrupção, somente 4 se reelegeram. O governador pensava ganhar no primeiro turno com mais de 70% dos votos, mas conseguiu apenas 54%. Contudo, ele continua agredindo. No dia 27 de abril houve um atentado contra o nosso canal de televisão, com explosão de bombas. Graças a Deus, ninguém se feriu e não houve danos nos aparelho. Abriu-se um inquérito, mas sabemos que isso vai dar em nada.