Tempos apressados, os nossos! O eficientismo que absorve a pessoa... A gratuidade que perfuma a vida num mundo demasiadamente voltado ao dinheiro e aos interesses pessoais... A pessoa que só conta enquanto gera lucro e oferece vantagem... Como evangelizar num semelhante contexto? Não evangelizar massas, mas pessoas. Evangelizar “esta pessoa”... É fictício e alienante “o amor que dizemos ter para com o povo”, se antes este amor não passa por “esta pessoa”, por “aquela pessoa”. O encontro e a escuta são autênticos sacramentos da iniciação; a consolação – um espaço de acolhida, como santuário silencioso e eloqüente! A escuta: uma terapia de cura do espírito e também do corpo!
Apresento aqui alguns flash, sem ordem lógica, mas que nos estimulam a refletir sobre um tema que nos diz respeito – a consolação, dado que somos como Barnabé, os filhos da Consolação, em força do carisma que nos identifica com a Consolata, a Mãe que consola. Tentarei desenvolver alguns destes flash; para tanto, parto da última afirmação, evocando uma experiência pessoal.
A escuta – uma terapia de cura
Desde que o homem caminha na terra, ansioso por encontrar sustento para a própria vida, acompanha-o também a constante preocupação do bem-estar, a preocupação da cura, a preocupação das doenças. A doença, este mistério humano, muitas vezes se apresenta como uma espécie de entrançadura indestrinçável, que atenta contra o bem-estar do homem todo, envolvendo-lhe o corpo, a psique, os sentimentos... É aqui que entra, como bálsamo de cura, o mistério da escuta: uma presença de paz que protege contra o assalto da angústia.
Como afirmei, parto de uma experiência pessoal. Encontrava-me em Buenos Aires, na Casa Regional. Já se passaram muitos anos... Durante o almoço me chamam, dizendo que “uma senhora quer falar comigo”. Peço que a senhora – uma ex-presidiária – seja acomodada no locutório. Eu permaneço de pé, porque já entendi, não é assunto que me diz respeito. A mulher, certamente, foi mal informada e me toma pelo Pe. Mateus Pozzo que, como todos sabem, tem o dom de impor as mãos e de transmitir alívio ao corpo e ao espírito. Necessito de uma carrada de paciência, temendo a cada momento que ela me falte, para convencer a senhora de que “eu não sou o Padre Mateus”. Ela, entretanto, continua a repetir sonoramente: “Sim, o senhor é o Padre Mateus, é que o senhor não quer curar-me!” Esta insistente afirmação da mulher provoca em mim um profundo silêncio de reflexão... Pus-me a pensar o que fazer: deixá-la e ir embora? Apontar-lhe a porta por onde entrara e dizer-lhe: “Senhora, esta é a porta por onde entrou?” Usar de um disfarce e enganá-la piedosamente, através de algum gesto de cura? Por fim, do meu silêncio brotou esta expressão quase soletrada: “Senhora, não sei mais o que lhe dizer; eu só tenho a minha palavra; se a senhora não acredita nela, não disponho de outros argumentos para convencê-la”.
Ela, ao ouvir isto, como se voltasse de uma longa viagem na alienação, deu-me a entender que acreditava no que eu acabara de lhe dizer e perguntou-me: “Se o senhor não pode curar-me, pode ao menos escutar-me?” “Sem dúvida – respondi comovido – isto sim!” E sentei-me. Não acrescento outros pormenores, pois já não os lembro; mas da conclusão me lembro perfeitamente: pareceu-me que aquela pobre senhora tivesse ficado inundada por uma onda de paz interior e exterior.
Tempos apressados, os nossos!
“Século curto”, assim foi definido o século passado. Podemos chamar de “tempos breves, tempos curtos” os espaços de tempo que reservamos para a escuta, para ouvir as pessoas. Uma espécie de desertificação das relações profundas acompanha o processo do pós-moderno, dos fenômenos do mundo e de tudo quanto traz o sabor de fragmentação, venda da imagem, venda malbaratada dos valores profundos. As vítimas deste processo são os fracos, os últimos. Sim, pensa-se também neles, mas em termos de “colocação”, em chave de “resolução de problemas”: agências de casas de repouso, empresas promotoras de viagens de distração e de diversão, propostas de socialização, etc. Mas “o outro” permanece longe... Percebe, com amargura, que se trabalha para ele, mas não se presta atenção a ele, porque “conta pouco, é pessoa de pouca importância”. O seu dinheiro conta... O seu voto, em tempos de eleição... Oh! isto conta! E como conta! Se é jovem, conta por um motivo de cálculo; se é velho, conta por outro motivo de cálculo. Mas não se lhe dá valor e importância pelo fato de ser um homem, uma pessoa, uma imagem de Deus.
Em alguns “Centros de Escuta” a pergunta costumeira produz o efeito de um soco na boca do estômago: “Acomode-se... Pronto, vá dizendo, qual é o seu problema?!...” Às vezes, também os padres vivem muito atarefados. Tem-se a impressão de que as pessoas, antes de formular uma pergunta, antes de fazer um pedido ao padre, esperam que murchem as pétalas da margarida que trazem no íntimo: “Desculpe, padre... Será que estou exigindo demais se lhe peço que me atenda em confissão? Padre, poderia dispor de um momento?!...”
“I Care”: gratuidade do encontro que humaniza a existência
Não faltam, em nosso tempo, belos exemplos de voluntariado. O voluntariado (gratuito) é como um pulmão de bem-estar que perfuma a existência e o cotidiano. Comove e impele à imitação pela alegria que lhe é inerente, como preço-recompensa. Contudo, também o voluntariado deve aspirar a uma qualificação melhor: ao fazer este ou aquele trabalho, deve passar da categoria do simples “prestar um serviço” a uma dimensão mais elevada, ou seja, “prestar um serviço indo ao encontro desta ou daquela pessoa”. Então deixará de ser apenas uma bela instituição humanitária e se tornará um “lugar de encontro” reciprocamente humanizante.
Certo dia, as Damas da Caridade, alarmadas, disseram a um Missionário da Consolata que trabalhava na Paróquia de Pompeya (na Argentina): “Padre, naquele bairro não há mais pobres... Então, que faremos nós agora?”
É triste admitir isto: mas os mesmos pobres que servimos, poderiam tornar-se como que pedras de jogo de dama que “nos servem”, que garantem “o retorno da gratificação”. Muitos, atualmente, se apropriaram do slogan do Padre Milani: “I Care!” A diferença, contudo, é muito grande; poderia haver até uma distância de anos-luz... Para ele, aquele não era um simples slogan, mas um programa de vida!
Não evangelizar massas, mas pessoas
A evangelização é mediação do eterno diálogo de amor que Deus sempre entrelaçou com a humanidade e que em Cristo foi revelado e recapitulado. A humanidade não pode entrar neste diálogo de salvação sendo apenas um interlocutor anônimo e massificado. Devemos poder dizer: “Esta salvação é para ti! Aqui e agora, para ti!”
Os Padres da Igreja admiravam-se desta personalizão do plano da salvação: “Por nós, homens, e para nossa salvação, desceu do céu”. João Paulo II, tomando o pensamento da Gaudium et Spes – “com a encarnação, o Filho de Deus uniu-se de certo qual modo a cada homem” (n. 22), sublinha a historicidade “deste homem”, ponto terminal e atual do amor de Deus, “primeiro e fundamental caminho da Igreja, caminho traçado pelo próprio Cristo” (cf. RH, 13-14).
“Evangelizar é a graça e a vocação própria da Igreja, sua identidade mais profunda. A Igreja existe para evangelizar” (EN 14).
Nós também existimos para evangelizar. Contudo, não nos deixemos enganar: enquanto não chegarmos ao coração do homem, “deste homem”, “desta tribo”, não atingiremos o coração das culturas, e a evangelização não passará de um amadorismo efêmero (cf. EN 20).
Algumas convicções que devem ser transformadas em atitudes de vida
Escutar o outro é parte prioritária e constitutiva do processo de evangelização-consolação, se é verdade, como afirmou o X Capítulo Geral, que a missão se origina da compaixão. A escuta verdadeira, humana, respeitosa do outro na sua alteridade nunca será uma página de missão “decorada”; antenas extremamente sensíveis captam a autenticidade da minha resposta: não posso simplesmente “recitar” ou fazer declamações”... O “outro”, encontrando-nos, sentindo-se inteiramente hospedado por nós, pela nossa acolhida, deveria deixar em nós a mesma convicção do Apóstolo Paulo, em relação aos Gálatas: Se tivésseis podido, teríeis arrancado os vossos olhos e mos teríeis dado! (Gl 4,15).
O “encontro-escuta” tem o teste da verdade: Se o “outro” desaparece sem deixar vestígio ou sinal, não foi um encontro em profundidade; se ainda permanece dentro de ti, hospedado em ti, o encontro-escuta foi realmente uma celebração de vida.
Pontos para a reflexão
1. Muitos, depois de manter um encontro com José Allamano, recordavam por longo tem-
po o fascínio do seu olhar, da sua presença consoladora. O que passou para ti deste “patrimônio paterno”?
2. A vizinhança com o povo faz parte dos códigos genéticos que geraram os Missionários da Consolata: deve tornar-se uma apaixonante realidade. Devemos manter-nos unidos ao povo, em contato com ele. É realmente isto que fazemos, nós que pertencemos a esta comunidade missionária?
3. Nosso “culto” assemelha-se ao do Bom Samaritano: sabemos ver o outro? Deixamo-nos evangelizar pela vida ferida no corpo e na dignidade do espírito do outro? Sabemos assumir o “peso” até o fim?... Há alguns anos, em determinado documento sobre a Liturgia, os Bispos haviam dito: “É preciso celebrar a Liturgia dentro das chagas da História.”
4. As atitudes não se improvisam, nem podemos tomá-las de empréstimo. Tudo terá sabor de fictício e de alienante se a atenção ao outro, a presença do outro, a escuta do outro não começar na nossa comunidade, com os coirmãos que vivem ao nosso lado. Confrontemo-nos, como num espelho, com a Palavra de Deus em Romanos 12, 9-18.
5. Toda revisão do método apostólico é verdadeira na medida em que se percebe que o Reino está atingindo “estas pessoas”. Neste caso, o encontro e a escuta se delineiam como capacidade de silêncio, de admiração, de empatia, trajetória de solidariedade, impulso de compaixão para com o outro... O limiar do templo onde começa a sacralidade do “culto mais divino” é o coração do homem.
6. No mundo há um déficit angustiante de esperança. De muitos lugares, muitas pessoas olham para o Papa João Paulo II: ele tem a capacidade de transmitir “um suplemento de alma” a este mundo.
E nós? Não somos os Missionários da Consolação? Não “devemos consolar com a mesma consolação com que somos consolados por Deus?” (cf. 2 Cor 1, 3-4).
P. Luigi Manco
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