CONSOLAÇÃO NO NOVO TESTAMENTO
1. PUXAR O FÔLEGO
O termo hebraico “consolar-consolação” provém da raiz nhm, que significa, antes de tudo: “respirar profundamente, gemer”; e, em sentido causativo, “fazer respirar”, “fazer puxar o fôlego” numa situação dolorosa, numa situação de medo (assim os irmãos de José, cheios de espanto, na presença do irmão, após a morte do pai: cf. Gn 50, 14-21). CONSOLAR é ajudar uma pessoa deprimida, oprimida e esmagada, porque não consegue mais puxar o fôlego; é ajudá-la a respirar novamente. A etimologia hebraica sublinha este aspecto físico-psicológico da consolação: fazer respirar, trazer alívio. Mais ainda: os termos gregos “parakaleo, paraklesis” sublinham o aspecto de encorajar, exortar, apoiar, confortar os que sofrem. De fato, o encorajamento e a exortação nos fazem sentir a solidariedade, nos ajudam a superar a solidão, nos aliviam e consolam.
2. VISÃO DE CONJUNTO
A CONSOLAÇÃO é anunciada pelos profetas como característica da era messiânica (cf. Is 40,1) e devia ser trazida pelo Messias (cf. Lc 2,25). A consolação consiste essencialmente no fim da provação e no início de uma era de paz e de alegria (cf. Is 40,1s; Mt 5,5). Porém, segundo o Novo Testamento, o mundo novo já existe no mundo antigo; o cristão, unido a Cristo, é consolado exatamente em seu pleno sofrimento (cf. 2 Cor 1,4-7; 7,4; Cl 1,24). Esta consolação não é recebida de forma passiva; ela é ao mesmo tempo conforto, encorajamento, exortação (conceitos expressos pela única palavra grega “paraklesis”).
A única fonte da consolação é Deus (cf. 2 Cor 1,3-4) por meio de Cristo (2 Cr 1,5) e de seu Espírito (cf. At 9,31) e o cristão deve comunicá-la (2 Cor 1,4-6; 1 Ts 4,18). Entre as causas da consolação, o Novo Testamento cita o progresso da vida cristã (2 Cor 7,4-6), a conversão (2 Cor 7,13), a Escritura (Rm 15,4). A consolação é fonte de esperança (Rm 15,4). Os ricos recebem sua consolação já neste mundo (Lc 6,24), ao passo que o mendigo Lázaro é consolado no seio de Abraão (Lc 16,25).
[Nota: Fiz esta síntese a partir da nota da Bíblia de Jerusalém, em 2 Cor 1,3. Consultando assiduamente esta Bíblia, fico cada vez mais admirado e entusiasta ao constatar a riqueza de notas, tanto das temáticas quanto das outras colocadas à margem, da Bíblia de Jerusalém e da TOB. São verdadeiras minas de informação bíblica, teológica e espiritual; basta ter a paciência de ler os textos bíblicos a que tais notas fazem referência.]
3. ALGUNS ASPECTOS DE CONSOLAÇÃO
O Paráclito – No Evangelho de João o termo “consolador” é aplicado especialmente ao Espírito Santo, chamado “paráclito, defensor, advogado”. O termo é tomado da linguagem jurídica e designa aquele que se coloca ao lado do acusado, para ajudá-lo a defender-se: esta é, sem dúvida, uma função de consolação, de apoio (cf. Jo 14,16-17.26; 15,26; 16,7).
Se pensarmos nas grandes dificuldades que os primeiros discípulos encontraram para dar testemunho de Jesus num mundo hostil (João representa esta luta na figura de um processo judicial), percebe-se que eles conseguem sobreviver unicamente porque sustentados por este
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“advogado” divino. A assistência do Espírito exprime-se mediante a compreensão da verdade (cf. Jo 16,13) e do testemunho dado a favor de Cristo (cf. Jo 15,27). João, ao invés, na sua primeira carta, aplica o termo “paráclito” a Jesus (cf. 1 Jo 2,1).
4. CONSOLAÇÃO-TRIBULAÇÃO (2 Cor 1,3-7)
Este texto nos é familiar, porque constitui a segunda leitura da missa da festa da Consolata. Os termos “consolar-consolação” são citados dez vezes ao longo de cinco versículos. Paulo joga sobre a oposição “consolação-tribulação” (as provações, perseguições, tentações do apostolado, a tribulação é a pena do parto, tribulação da era escatológica). Não há vida cristã e apostólica sem sofrimento, sofrimento que consiste em associar-se à paixão de Jesus. Quem se associa à paixão, tem a certeza de associar-se à vitória. O apóstolo pode suportar as tribulações e consolar os outros, porque é sustentado e confortado por Cristo.
5. PRIMEIRA AOS TESSALONICENSES: CARTA DE CONSOLAÇÃO
A primeira aos Tessalonicenses, cronologicamente, é a primeira das cartas de São Paulo que chegou até nós. Pode ser considerada, em sua totalidade, uma carta de consolação. Paulo teve que deixar prematuramente a recém-nascida comunidade de Tessalônica (cf. At 17,1-10) e agora está preocupado – ele que se sente mãe e pai daquela comunidade – temendo que as tribulações a façam sucumbir. De Atenas envia então Timóteo, para confortar os membros da comunidade e para colher notícias (cf. 1 Ts 3,7). Quando Timóteo regressa da viagem e alcança Paulo em Corinto, levando boas notícias da igreja de Tessalônica, Paulo sente-se confortado (cf. 1 Ts 3,11). Toda a carta é assinalada pelo tema da consolação. Paulo, preocupado, procura consolar e sustentar a jovem comunidade, enviando-lhe Timóteo. Os Tessalonicenses, com sua perseverança na fé, são motivo de consolação para Paulo.
[Nota: Proponho que se leia todo o capítulo terceiro, para saborear a relação de afeto entre Paulo e os Tessalonicenses, bem como a consolação recíproca.]
Na 1a. aos Tessalonicenses (1 Ts 4,3-18), a catequese que Paulo faz sobre a sorte dos falecidos é consolação que vence a desolação (1 Ts 4,113) de quem não tem esperança. Eis porque Paulo pode concluir, dizendo: “Consolai-vos uns aos outros com estas pala-
vras”. O missionário é agente de consolação quando anuncia o kerigma da fé e da esperança cristã.
6. BARNABÉ – HOMEM DA CONSOLAÇÃO
Os Apóstolos dão um novo nome a José de Chipre: “Barnabé, homem da consolação, que infunde coragem” (At 4,36). Ainda que esta etimologia seja um pouco estranha e incerta, o nome “Barnabé” descreve com perfeição este homem da primeira geração cristã, segundo o retrato que faz dele o livro dos Atos. Barnabé aparece pela primeira vez quando põe à disposição da comunidade o preço da venda de um campo (cf. At 4, 36-37). Depois, é ele que apresenta Saulo à comunidade de Jerusalém (cf. At 9,27).
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Quando chega a Jerusalém a inesperada notícia do nascimento de uma comunidade cristã em Antioquia, entre os pagãos, é Barnabé que os Apóstolos enviam, a fim de constatar o que está acontecendo por lá (cf. At 11,22); e ele, homem aberto e conciliador, “encoraja” a jovem comunidade a continuar; em seguida, desempenha talvez a ação mais importante de sua vida: vai a Tarso à procura de Saulo (que se havia isolado um pouco dos outros) e o conduz a Antioquia. Nesta cidade, Saulo fará o seu ano de “estágio” missionário, antes de iniciar suas grande viagens missionárias (cf. At 11,25-26).
Companheiro de Paulo na primeira viagem missionária (cf. Atos, capítulos 13 e 14), Barnabé será com ele testemunha da fé dos pagãos no Concílio de Jerusalém (cf. At 15,2. 12). A última vez que Barnabé aparece no livro dos Atos é quando discute com Paulo acerca de Marcos (cf. At 15,37-39). O homem da consolação e do encorajamento quer dar ao jovem Marcos uma segunda oportunidade; e sobre este princípio-estilo de vida ele põe em risco a sua amizade com Paulo.
Homem desapegado dos bens, inteiramente consagrado ao serviço da comunidade, sabe prestar atenção aos outros, especialmente aos irmãos isolados; Barnabé sabe ver nos outros os germes de bem, encoraja-os e incentiva-lhes a iniciativa. Homem equilibrado, procura o entendimento, porém não recua quando se trata de oferecer uma segunda oportunidade a Marcos. Todas estas passagens de sua vida podem delinear um estilo de missionário da consolação?
PONTOS PARA A REFLEXÃO:
· Refletindo sobre Barnabé – homem da consolação e do encorajamento: Quais são os aspectos que podem inspirar a minha vida missionária, hoje?
· Consolação-tribulação (2 Cor 1,3-7): Qual é o fundamento da consolação no meio das adversidades e contrariedades da missão?
· Consolação-exortação: Estou convencido de que o encorajamento, o apoio e o apreço são parte importante do meu estilo de vida em relação à comunidade?
· Consolação-evangelização: O anúncio e o testemunho do Evangelho são, para mim, fonte de consolação?
· Consolador-advogado: No meu empenho de promover a justiça, provo a força e a consolação que brotam do Espírito?
Pe. Mário Barbero, IMC