Ele foi o organizador verdadeiro de Puebla, que nos deixou o que nos deixou graças a ele. Conseguiu fazer de uma reunião cheia de incertezas, a luz que nos ilumina até hoje e nos iluminará durante muitos anos ainda. Em Santo Domingo ele salvou o que se podia salvar.
Ele vai fazer falta. Pois ele é uma dessas personalidades que ninguém pode substituir. Enfim poderá interceder por nós, porque não precisamos esperar decretos de beatificação ou de canonização. Sabemos que é um Santo. Vamos recorrer a ele nas nossas necessidades, sobretudo no meio das dificuldades vividas na Igreja.
Dom Luciano foi uma das personalidades mais marcantes do século XX, uma dessas personalidades que marcam uma época. A sua vida foi tão rica de ensinamentos que ela constitui uma referência permanente. Tinha tantas qualidades, tantas capacidades, tantos talentos... e tudo isso reunido numa vida tão simples na sua riqueza.
Era visível desde o primeiro olhar que se tratava de uma personalidade sumamente inteligente e brilhante. Tinha um dom de intuição extraordinária, uma capacidade de síntese que fazia dele a pessoa que salvava as reuniões e sabia propor conclusões iluminadoras. Era a pessoa ideal para presidir reuniões. No entanto, ele se apresentava com tanta modéstia, tanta simplicidade, tanta humildade, como se tivesse que pedir perdão por tanta superioridade. Não era assim. Ele não pretendia esconder os seus dons. Sabia intervir com autoridade tranqüila, essa autoridade que todos seguem com entusiasmo porque reconhecem nela a luz do Espírito. Nada nele era fingido. Jamais procurou a gloria pessoal, jamais pensou em atrair os olhares ou pedir felicitações. Jamais defendia uma tese. Bastava explicar e todos entendiam. Não precisava fingir porque era uma personalidade totalmente aberta.
O que mais chamava a atenção era a sua disponibilidade, a permanente preocupação por servir, ser útil, ajudar. Em lugar de fugir dos problemas, como fazem tantas autoridades, ele ia ao encontro deles. Quando sabia de um caso de injustiça, de opressão ou de abandono dos pobres, ali estava ele imediatamente. Na frente da luta e nunca buscando desculpas edificantes como fazem tantas autoridades. Nada tinha de líder popular e jamais procurou a popularidade o que era bem o contrário da sua personalidade. Estava ali na frente da massa dos pobres com toda simplicidade, como se fosse nada mais do que um no meio dos outros. Mas todos sentiam a sua presença e sentiam que debaixo de aparências fracas havia uma imensa força, que era na realidade a força de Deus. A concentração do povo nos seus funerais foi um sinal da imensa confiança e da grande admiração que suscitava, porque era a força de Deus no meio do seu povo. Como dizia s. Paulo, era a maior força na maior fraqueza.
Era filho de uma família importante, onde correm rios de inteligência, o que lhe facilitou o acesso a uma cultura mais elevada. Ao mesmo tempo a família preparou-o para ser uma personalidade privilegiada que não precisava fazer esforços para ter autoridade porque a autoridade lhe era natural. Esta origem devia ter contribuído para que ele fosse tão natural no serviço como se isso não lhe custasse nada. No fundo era totalmente seguro de si a tal ponto que nunca sentia a necessidade de olhar para si mesmo, de se preocupar pelo desempenho da sua missão. Não precisava de aprovação. Tudo era tão claro.
Devemos supor que tinha os seus momentos de sofrimentos. Os sofrimentos físicos em conseqüência do acidente, todos sabemos. Mas deve ter experimentado alguns sofrimentos mais íntimos, por exemplo, pelas humilhações que teve que suportar. Porém a sua confiança na sua missão e na sua capacidade com a graça de Deus, era tão forte que não era abalado, tal a sua autosegurança. Isto lhe permitia enfrentar todos os problemas com uma virtuosidade excepcional. Prestava com tanta naturalidade inumeráveis serviços como se fosse fácil e natural. Era incansável, nunca dava a impressão de estar cansado, salvo quando se encontrava dormindo nas reuniões ou nas viagens, porque não dormia de noite e o sono estava aí reclamando.
Era de uma simplicidade tão grande. Um dia eu estava sentado ao lado dele num avião e ele me disse simplesmente que nunca tinha sido capaz de vencer o medo do avião e rezava o terço para se dar coragem. Isto não impediu que passasse tantos dias da sua vida viajando de avião. Curiosamente também dom Manuel Larraín, fundador do CELAM e dom Helder tinham medo de viajar de avião e deviam viajar sem cessar.
Com tudo isso dom Luciano viveu uma vida de amor. Amou muito e também foi muito amado. Poucos talvez tenham sido tão amados por tantas pessoas de tantos grupos humanos diferentes. Era tão humano que não se podia não amá-lo.
Agora estamos aguardando uma biografia. Escrever uma biografia de uma pessoa que teve tanta atividade na sua vida não será fácil. Oxalá que se apresente um historiador ou um bom jornalista para começar logo, quando ainda há muitas testemunhas das diversas fases de uma vida vivida em vários lugares do Brasil e do mundo.
A tentação vai ser aquela mesma de que está sendo vítima o padre Hurtado no Chile. Uma vez canonizado, fizeram dele uma representação convencional, em que a sua ação real e concreta desaparece e o que se venera nele são as virtudes convencionais. Um cardeal chileno dizia que o que mais marcou na vida de padre Hurtado era a sua obediência, porque um dia quando era assessor nacional da juventude universitária católica foi demitido pelo bispo responsável do setor e ele se submeteu. Com isso toda a ação social de padre Hurtado desapareceu. Que não nos façam de dom Luciano um retrato convencional de santo que colecionou todas as virtudes tradicionais de tal sorte que dom Luciano fosse um a mais na lista de todos os santos iguais e convencionais. Que não seja tirado do seu contexto histórico, mundial e eclesial, daquilo que foi a matéria da sua vida e o desafio que soube enfrentar.