O chamado
A palavra de Javé me foi dirigida nos seguintes termos: antes mesmo de te modelar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações. Mas eu disse: “Ah! Senhor Javé, eis que eu não sei falar, porque sou ainda criança!” Mas Javé me disse: Não digas: “Eu sou ainda criança!” Porque a quem eu te enviar, irás, e o que eu te ordenar falarás. Não temas diante deles, porque eu estou contigo para te salvar... Eis que ponho minhas palavras em tua boca. Vê! Eu te constituo, hoje, sobre as nações e sobre os reinos, para arrancar e para destruir, para exterminar e para demolir, para construir e para plantar (Jr 1, 4-10).
De fato, durante a sua vida, Jeremias incomoda muita gente, que tenta, a qualquer custo, calar a sua boca. O profeta foi perseguido, recebendo ameaças de morte por seus conterrâneos (Jr 11, 21) e até por seus familiares (Jr 12, 6). Talvez por ter prejudicado os interesses de sua família ou pelo duro teor de sua crítica social e religiosa. Mas, escolhido desde o ventre materno, ele tem a garantia de falar “a mente de Deus”.
Jeremias profetizou durante cerca de 50 anos, de 627 a 580 a.C., sob quatro governos. Foi durante o governo de Joaquim (609-598 a.C.), que o profeta mais sentiu o peso de sua missão. Obrigado a remar contra a corrente, ameaçado, rejeitado, caluniado, desprezado, ele se lamenta... Em sua angústia, Jeremias acredita que Javé o enganou: o seduziu para ser profeta e o dominou, para depois abandoná-lo. Agora todos querem sua queda, inclusive seus amigos. Por isso, ele quer parar de ser profeta, mas o problema é que não consegue, pois as palavras de Javé queimam-no como fogo. Fogo que atinge até os ossos. Então, Jeremias amaldiçoa o dia em que nasceu: “Maldito o dia em que eu nasci!” Mesmo contrariado, ele sabe que deve seguir o plano de Deus, “para arrancar e para destruir”. Esta foi sua principal missão. Mas também para “construir e para plantar” (1, 10). Esse é Jeremias, o profeta da Bíblia.
A sociedade contemporânea carece de profetas: homens e mulheres disponíveis a enfrentar “o reino da mentira, violência e opressão”. Diante desse contexto, podemos até silenciar numa atitude de indiferença total. Mas, ao sentirmos “o fogo da indignação queimando até os ossos”, a vida de Jeremias poderia servir de inspiração nas nossas lutas pessoais e coletivas.