Impressionante também é a destruição material que se verificou nessa mesma área: casas de habitação, escolas, o antigo hospital psiquiátrico dos Irmãos de S. João de Deus, unidades industriais e comerciais, uma mesquita, nada escapou à fúria devastadora da "guerra" cuja única estratégia era apenas a força bruta, cega e assassina impressa pela técnica humana nos vários tipos de engenhos explosivos. (Quando é que os responsáveis pelas sortes deste mundo ganham juizo e deixam de fabricar estes horríveis instrumentos de morte?)
Quem olhar para a quantidade dos edifícios danificados ou destruídos por completo é levado a imaginar que terá sido ainda mais elevada, do que foi na realidade, a perda de vidas humanas. Esta impressão tem o seu fundamento. Quando as pessoas se deram conta do que estava a acontecer procuraram a salvação na fuga para longe daquele inferno. Mas o ventre do arsenal continuou a vomitar, por longas horas ainda, projécteis de todos os calibres que iam agora atingir, ao acaso, imóveis felizmente já vazios.
(23.03.2007)
Ontem, pelas 16.30, os vidros e as portas da capela da Casa Regional, a 10 quilómetros do local do acidente, abanaram com violência e estrondo e, pensando num terramoto, corri para a rua. Não era terramoto, como me explicaram as pessoas que como eu tinham saído à rua. Era o paiol de Malhazine que estava a explodir. Só que desta vez era uma coisa muito séria.
As explosões repetiam-se com muita frequência, umas mais fortes outras menos. Bem depressa começaram a chegar as ambulâncias com feridos ao hospital central que fica a poucos quarteirões da nossa casa. As descrições do cenário do acontecimento fazem lembrar a pior das guerras. Duma guerra bem estranha se tratava. As pessoas encontravam-se nas suas casas ou nos quintais, paredes meias com o paiol e, de repente, começaram a chover do céu bombas, projécteis de obuses e artilharia vária.
Uns rebentavam no ar e os estilhaços espalhavam-se por ali à volta. Outros, seguindo trajectórias desordenadas, iam rebentar a quilómetros de distância. Tenho comigo o estilhaço dum projéctil que mede 35 cm. de comprimento, 12 de largura e mais de meio centimetro de espessura. Pesa quilo e meio e caíu dentro da cerca do nosso noviciado em Laulane mesmo em frente da porta de entrada. Felizmente este não encontrou ninguém na sua trajectória.
A casa dp noviciado fica a cerca de 2 quilómetros do paiol. Os estragos na casa, provocados pelo impacto do ar, foram leves: vários vidros partidos e portas arrombadas. Os noviços ontem tinham saído a passeio e estavam de volta precisamente na fase mais crítica dos rebentamentos. Para regressar a casa tinham que atravessar uma das zonas mais perigosas. Com muito cuidado, e desviando-se do caminho habitual, conseguiram passar sem ser atingidos. Mais tarde veio-se a saber que,ali bem perto, uma familia inteira de 9 pessoas tinha ficado enterrada nos escombros da sua casa destruída por um projéctil.
Numa grande correria, toda a gente em condições de fugir abandonou a zona da tragédia e espalhou.se pelas ruas da cidade em direcção ao centro. O trânsito tornou-se caótico em toda a zona que é também a principal entrada na cidade vindo Norte.
As explosões duraram pela noite dentro. Às 21.30 ainda se ouviam estrondos mas com menor intensidade e mais espaçados. Na escuridão da noite via-se ao longe o grande clarão vermelho. Dele se desprendiam estilhaços de fogo que descrevendo grandes ogivas iam caindo. ..e espalhando o sofrimento e a morte. Alguns continuavam a corrida a grande velocidade e perdiam-se na noite indo atingir alvos incertos mais longe.
Fazer um balanço das vitimas é tarefa muito dificil por enquanto. Há um esforço das autoridades para controlar a informação. O número de mortos refere-se somente aos que deram entrada nos hospitais e foram contados, até agora, perto de 100. Os feridos contabilizados oficialmente são cerca de 400. Estes números pecam certamente por defeito.
O aeroporto esteve encerrado desde o início do acidente. A pista de aterragem prolonga-se até muito perto de Malhazine e nela cairam estilhaços e projécteis.
Como causa do acidente aponta-se o calor intenso que teria feito incendiar o material belico obsoleto e depois o resto. Há quem fale também num curto circuito.
Toda a gente se pergunta porque é que depois de duas explosões, uma das quais muito recente, não se fez nada para tirar o paiol daquele sítio ou dotá-lo de condições de segurança. Não houve resposta satisfatória até agora. Diz-se apenas que está em estudo um projecto para mudar o paiol para outro lugar.
Mais uma vez é a gente pobre dos subúrbios que morre e sofre. Uma nossa empregada que mora perto do local regressava a casa às 16.30. Ao chegar perto de Malhazine foi impedida pela polícia de ir para casa como era óbvio. Voltou para trás debulhada em lágrimas porque em casa tinha deixado uma filha de 6 anos e não sabia nada dela. Outros 3 filhos estavam na escola e andavam dispersos pela cidade. Só de manhã conseguiu, com grande alegria, juntar a família. Dramas semelhantes ou bem piores viveram centenas de famílias muitas das quais nunca mais se vão juntar porque um ou mais membros morreram no desastre.
P. Manuel Tavares