Ontem e hoje
Os Yanomamis são caçadores, pescadores e coletores parcialmente nômades. Recentemente passaram à agricultura, sem uso de arado e tração animal. Ocupam uma área fronteiriça entre o Brasil e a Venezuela, num território de aproximadamente 200.000 km2. São originários da Serra Parima, no Alto Orinoco. De lá, no início do século XIX, em migrações sucessivas, se espalharam por diferentes lugares da floresta, também para fugir da investida dos colonizadores. Entre 1940 e 1965 constituíram-se os primeiros contatos permanentes em seu território, onde se estabeleceram os centros do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e a presença missionária católica e protestante. Em outubro de 1965, os missionários da Consolata Bindo Meldolesi e João Calleri fundaram uma Missão entre os Yanomamis, na margem esquerda do rio Catrimani, distante aproximadamente 300 km em linha reta de Boa Vista.
O “encontro” com a civilização ocidental teve um custo muito alto para este povo da floresta, transformando seu caminho milenar numa via crucis ainda em curso. A extraordinária riqueza em minério no solo de Roraima, a exploração da Amazônia deflagrada pela Transamazônica, o Projeto Calha Norte e outras rodovias durante a ditadura militar, provocaram o exílio e a morte deste povo indígena.
A construção da estrada Perimetral Norte, projetada para uma extensão de 3.000 km, entrou na área da Missão do Catrimani em 1974, deixando centenas de mortos em conseqüência de doenças contagiosas como sarampo, malária e tuberculose. Nos anos de 1987 e 1988, 40 mil garimpeiros (catadores de ouro) invadiram a área dos Yanomamis. Não é preciso muita imaginação para compreender os desastres humano, social e ecológico. Ainda hoje se curam feridas e traumas. Em 24 de agosto de 1987, a equipe missionária foi expulsa da área pela Funai, organismo do governo para a defesa do índio. Os missionários regressaram 18 meses depois por decisão da Justiça Federal que considerou indispensável a presença dos missionários. Embora o território dos Yanomamis tenha sido homologado pelo presidente Fernando Collor, em 1992, atualmente, as invasões, a pesca por parte dos brancos nos rios reservados aos índios e a presença dos garimpeiros continuam. Os líderes indígenas que protestam são ameaçados de morte. Continua também os desaparecimentos seletivos e as denúncias permanecem na impunidade. Enquanto isso, em Brasília, no Ministério das Minas e Energia existem pedidos de exploração de minérios por parte de empreiteiras nacionais e multinacionais, que cobrem 60% do território Yanomami. Até quando será possível conter esta pressão?
Desafios do presente
Os Yanomamis vêem à frente um horizonte novo que muitas vezes os apavora e, sobretudo, os fascina. Neste momento, os missionários agem como intermediários para os contatos. É preciso estabelecer comunicação, sobretudo aprender bem as duas línguas. Reforçar os valores da própria identidade, procurando integrar outros através da consciência crítica e ética. Em suma, criar um diálogo intercultural e inter-religioso baseado nos valores éticos em tempos de mudança e transformação.
Existe um grupo de professores Yanomami, que pediu aos missionários ajuda para aprender a língua portuguesa e a matemática, pois entre eles são poucos os que falam um português razoável. A matemática é importante para o manuseio do dinheiro. Alguns recebem salário, outros vendem produtos de artesanato e outros trabalham em fazendas. Conhecendo o valor do dinheiro, evita-se a exploração. A matemática serve também para saber o dia do mês, quando viajar ou participar de uma assembléia. Passar do tempo mitológico ao tempo histórico significa fazer, em poucos anos, aquilo que outros levaram séculos para realizar. Significa mudar de categoria, passando da lógica mágica à lógica crítica.
Na convivência com os Yanomamis pudemos apreciar atitudes e comportamentos cheios de sentido e valor: a alegria de viver, o dom da palavra, o riso espontâneo, a luta pela sobrevivência na caça e na pesca, a destreza e a astúcia, a autonomia das crianças, o gosto pela brincadeira e o jogo, a organização da família, do clã e das alianças, a generosidade para com os parentes e os aliados, como uma defesa contra a acumulação, a luta contra as doenças e a morte mediante a invocação dos espíritos e a celebração da festa onde se consome as cinzas dos mortos para reforçar a fé na sua sobrevivência.
Existem propostas da ética cristã neste diálogo? Podemos citar algumas: a reconciliação e o diálogo; a universalidade do amor que extrapola a família e os aliados; a gratuidade além da reciprocidade; a opção pelo frágil e pela pessoa limitada no seu físico, ou social. Este é um diálogo em progresso no caminho para a floresta, em Boa Vista, em Caracarai ou em Manaus. O contato com a cidade e as novas tecnologias já são uma realidade entre os Yanomamis. Os perigos devem ser previstos e antecipados: encontrar-se sem fazer desaparecer e sem eliminar o outro. Encontrar-se sem modificar significados e funções da estrutura social, sem quebrar o espírito comunitário. Mudanças seguramente ocorrerão e já são visíveis. Professores que já sabem um pouco da língua portuguesa decidem mais do que o Conselho dos Anciãos.
O caminho está traçado, os atalhos se descobrem e se experimentam em sintonia com o tempo e circunstâncias. Um caminho que nasce de nossa fé e que respeita a autonomia da religião Yanomami. A liberdade e a consciência dos indígenas decidirão o caminho que é exigente, fascinante e tem seu preço: assume e vive a hora presente. Intensifica e readapta o diálogo intercultural e inter-religioso iniciados na primeira hora do encontro. O conhecimento da língua e da cultura exige novos estudos e releituras. Dom Franco Masserdotti, bispo de Balsas, Maranhão e presidente do CIMI, que partiu para o Pai no ano passado, vítima de um acidente, foi promotor do diálogo das culturas e religiões indígenas com o Evangelho: “No caminho da autonomia, do diálogo e do anúncio, a Teologia Índia entra como uma partilha da experiência de Deus. Esta experiência, muitas vezes, é codificada em mitos e ritos que são uma resposta aos desafios históricos de cada povo”. Eis uma referência essencial na avaliação das práticas missionárias. Fazer uma opção a favor da cultura e defender o pluralismo de experiências com a divindade exige de todos força para superar o pensamento único.
Publicado na Revista Missões