Como começou sua carreira de cantor e compositor?
Não houve projeto nem sonho. Quando estudava nos Estados Unidos em 1964, compus um Pai Nosso em inglês e, mais tarde, algumas canções em português que agradaram. Os jovens da paróquia-santuário São Judas Tadeu, no Jabaquara, em São Paulo, onde comecei meu ministério no Brasil, passaram a tocá-las, coreografá-las e cantá-las em missas e encontros. A gravadora das Paulinas ouviu falar. Irmã Maria Nogueira, a diretora, me convidou a gravar as canções que ouvira numa das missas, e o resto já se sabe. Passei a caminhar nessa direção. Deu-se o mesmo com o rádio, livros e televisão. Alguém me viu falando ou cantando, gostou e me convidou. Eu consultei meus superiores, aceitei e fui aprendendo. Nunca fiz marketing, nem procurei a mídia. A mídia me procurou e ainda procura.
Por que o título do primeiro LP “Estou pensando em Deus”?
Era uma das canções mais cantadas pelos jovens na paróquia. Achei que seria um bom começo. Continuo fazendo uma catequese que ajude a pensar. Canto mais para a cabeça do que para a emoção, embora algumas canções arranquem lágrimas. Quase 40 anos depois, continuo cantando “Sentado e pensativo” e “Eu penso em Jesus”. Um dos meus livros mais recentes se chama: “Cada vez que eu penso em Deus”. Para mim, crer supõe sentir, mas o bem-sentir depende do bem-pensar.
“Um certo Galileu” conta a vida e a missão de Jesus. Com qual objetivo o senhor escreveu essa canção?
Lembra o Jesus histórico e o Jesus da fé. Na mesma época, fiz outras canções que falavam de Jesus de Nazaré, o rabino assassinado e do Cristo de Deus, o Filho ressuscitado. Estudei Teologia nos Estados Unidos lendo Hans Küng, Tillich, Bultman, Barth e Rahner. Discutia-se muito sobre o Cristo histórico e o Cristo da fé. Fiz umas 20 canções mostrando os dois enfoques. “Um certo Galileu” foi a que mais caiu no agrado do povo e das mais diversas igrejas. É ecumênica!
O senhor sofreu censura ou represália durante a ditadura militar?
Dentro e fora da Igreja recebi ameaças e, por fim, ordem de prisão. Sou grato a dom Paulo Evaristo Arns e a dom Eugênio Salles, que me defenderam. Eu falara e cantara em Belo Horizonte num “Dia da Bíblia” em favor do voto, das eleições livres e da volta à democracia. Tive logo a seguir, cerca de 12 canções censuradas. A maioria delas, do musical “Oferenda”, declaradamente político e contra a ditadura, só foi publicada posteriormente quando a censura abrandou. Falava em favor do voto, dos índios e contra o latifúndio e a tortura. No auge das ameaças, fiquei um tempo na Espanha e na Itália. Mas não tocaram em mim. Frei Betto, sim, sofreu mais. Ele era muito mais da Libertação. Sempre o respeitei. Diz o que pensa! Padre Leão Dehon, fundador da Congregação Sagrado Coração de Jesus, da qual faço parte, foi um advogado e sociólogo ousado, defensor dos sindicatos de patrões e de trabalhadores, que também dizia o que pensava, mas propunha a busca do diálogo, por mais difícil que fosse. Eu também. Infelizmente, naqueles dias pedir diálogo e democracia soava como ser neutro. Respirava-se clima de confronto. Diálogo dói e eu sabia o que propunha, mas fui chamado em livro de um teólogo, a quem só tenho elogios, como “modernizante e não transformador”. Modernizantes não fazem história. A canção não é profecia maior. Escolhi ser profeta menor. Não foi por acaso que adotei o nome de padre Zezinho, scj. Sou uma daquelas velas pequenas perto de duzentos círios pascais.
O senhor defende a música que ajuda a pensar. Hoje temos mais de duas mil bandas católicas no país e muitos padres cantores. A sua atuação teve influência neles?
É o que me dizem. Mas não sei até onde isso é verdade. A maioria surgiu da vertente do louvor e eu segui a sociopolítica, do cotidiano da fé. Minhas canções são quase sempre calcadas na doutrina, nos documentos da Igreja, no catecismo. Eles privilegiam o louvor e o culto, o que também é necessário. Fujo da expressão “padre cantor”. É coisa da mídia, mas não da Igreja. No Antigo Testamento havia sacerdotes e levitas que cuidavam da Arca da Aliança (Js 3, 8-17, 4, 9-18), do sacrário e do altar. Também havia os que cuidavam da liturgia e do canto. Estes, sim, eram sacerdotes cantores. Mas na nossa Igreja não há esse tipo de ministério para o padre. Bispo nenhum ordenou um padre para cantar ou instituiu o ministério do leigo cantor. A Renovação Carismática usa esta expressão, mas cantar ainda não é um ministério oficial na Igreja. A meu ver não existe padre cantor, e sim padres que eventualmente cantam. É um serviço paralelo. Não é missão! Nesse sentido, sou um padre que leciona comunicação, compõe, faz arranjos musicais, forma cantores, prepara e suscita leigos maestros e usa da música para aprofundar a catequese. Nunca assumi o adjetivo cantor. Cunhei a expressão: não sou padre porque canto: canto porque sou padre!
E a canção católica, vai bem?
Vai e não vai. Temos bons cantores e bons maestros, mas acho que a maioria das letras e das melodias deveria passar por análise de professores de português, de teólogos e de liturgistas. Poderiam ser melhores, se os compositores lessem mais os grandes teólogos e os documentos da Igreja. Os temas e as melodias são muito repetitivos. Giram em torno de não mais de 50 palavras-chave. Ainda ontem ouvi, no rádio, uma canção que dizia: “Jesus te ama e o seu coração está sofrendo”. Que coração está sofrendo: o de Jesus ou o do fiel? Outra dizia: “Que Jesus possa te abençoar”. Por que: “possa”? É claro que ele pode! Outra canção dá a Maria um título que só a Jesus pertence: medianeira de todas as graças. Isso dá a entender que antes de orar a Jesus é preciso orar a Maria. A Igreja não ensina isso! No catecismo não há a palavra “todas”. Nem Maria quer tal exagero. Uma coisa é cantar por ária a Jesus, outra é acentuar sempre por Maria a Jesus. O erro está nas palavras toda e sempre. São pequenos detalhes que levam a grandes erros cantados por milhares ou até milhões de pessoas porque um compositor não pediu ajuda a quem sabe teologia. Eu estudei e componho há mais de 40 anos, mas ainda peço ajuda.
O que pensa dos oito canais de TV católica no Brasil?
Estamos aprendendo. Temos os instrumentos e gente boa, mas trabalhamos na insegurança. Vivemos de pedir. Se mudar o humor da economia e o humor do povo, teremos que fechar. Mídia custa caro. Poderíamos transmitir mais programas juntos, mas ainda não conseguimos trabalhar e transmitir em cadeia para gastar menos. Não é muito fácil juntar pregadores de cabeças e enfoques diferentes. Também temos muitos amadores que estão nesta mídia, mas ainda não entenderam a sua linguagem. Televisão é um veículo muito complexo. É como cavalo xucro, derruba. Não é lugar para improvisos.
E as revistas?
As revistas chegam a menos gente, mas com mais conteúdo. Custam mais barato do que o rádio e a televisão, envolvem menos pessoas e saem uma vez por mês; por tudo isso é mais fácil serem profundas e ricas de conteúdo. O que mata a televisão e o rádio é a urgência do cotidiano e o número de comunicadores. Por isso as revistas católicas se renovaram com mais acerto.
A fama pode ofuscar e desviar o pregador? E o dinheiro afetou sua vida?
Quem aceita subir no telhado que aceite os aplausos, mas também as perguntas e a controvérsia. Acho que nunca fui nem sou famoso a este ponto. Por isso mesmo não assinei contratos que pudessem me levar à fama. Ser famoso a este ponto é para quem tem essa vocação, é bom de estômago e quer esta exposição. Nada contra. Se alguém acha que pode enfrentar o holofote sem ficar cego, que o enfrente. Eu peço que o desviem para o povo porque quando o jogam em mim não vejo mais nada, nem as letras do texto que preparei para aquela hora. Meus superiores e os cantores cuidam dos outros detalhes. Eu cuido da pregação. Não tenho guarda-costas, nem preciso.
Com 40 anos de sacerdócio sente-se realizado ou tem ainda algum objetivo a atingir?
Peça aos leitores da sua excelente publicação que orem por mim, porque ainda não sei montar este cavalo chamado “mídia”. Sem espiritualidade, sem diretor espiritual e sem diálogo com todos os segmentos da Igreja é perigoso subir ao palco e falar apenas em favor de um pequeno grupo ou gostar demais daquelas luzes. O erro começa quando comunicar-se fica mais importante do que repercutir a comunicação da Igreja, ou quando subimos ao telhado (Mt 10, 27), não tanto para que mais gente nos ouça, mas para que mais gente nos veja. É bom que padres e leigos saibam disso! Excesso de imagem pode prejudicar a mensagem!
Publicado na edição Nº03 - Abril 2007 - Revista Missões.