Espero que a V Conferência leve em consideração e seja:
Boa Notícia aos pobres
Reconfirme o sonho que o Espírito fez nascer no coração dos bispos reunidos na II Assembléia em Medellín (1968): “que se apresente cada vez mais nítido na América Latina o rosto de uma Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo poder temporal e comprometida com a libertação de todo o homem e de todos os homens” (Medellín, 5, 15).
Este sonho comoveu o coração de muitas pessoas na América Latina e em outras partes do mundo levando-as a mudar de vida, transformando-as em profetas e mártires. Este sonho transformado em opção e práxis fez renascer a Igreja na América do Sul como Igreja de Jesus de Nazaré que foi consagrado e enviado pelo Espírito para “anunciar a Boa Notícia aos pobres; para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4, 18-19). Graças a essa opção, a Igreja Católica da América Latina se transformou em uma Igreja profética e mártir. De fato, no rosto dessa Igreja animada pelo Espírito de Jesus libertador, crucificado e ressuscitado, os pobres do continente descobriram, além do Deus da vida, a conquista, a colonização e as estruturas de poder e de injustiças que queriam lhes ocultar, recuperando dessa forma a esperança de sua libertação.
Se para os pobres esta opção foi “Boa Notícia”, para os poderosos e ricos foi “má notícia”, porque desmascarava sua opressão e dominação e causava dano aos seus interesses. Por isso aliaram-se e trataram de destruir este sonho e de eliminar os sonhadores. As políticas neoliberais globalizadas têm criado na realidade atual uma situação pior do que aquela que os pobres viviam em 1968. Por isso é necessário que a Igreja, sendo fiel a Jesus, reafirme e fortaleça a opção que fez na II Conferência em Medellín, como resposta ao “surdo clamor que brota de milhões de homens, pedindo aos seus pastores uma libertação que não lhes chega de nenhuma parte” (Medellín, 14, 2).
A Missão além-fronteiras
Reconfirme e fortaleça o outro sonho que o Espírito fez brotar desde o coração dos bispos reunidos na III Conferência em Puebla (1979): “finalmente chegou para a América Latina a hora de intensificar os serviços recíprocos entre as Igrejas particulares e de estas se projetarem para além de suas fronteiras, Ad Gentes. É certo que nós próprios precisamos de missionários, mas devemos dar de nossa pobreza” (Puebla, 368). Depois da Conferência de Puebla houve um despertar da consciência missionária na Igreja latino- americana. O sinal mais evidente desse despertar foram os COMLA (Congressos Missionários Latino-Americanos), que se transformaram em COMLA-CAM (Congressos Missionários Americanos) por sua ampliação em todo o continente. Contudo, temos de reconhecer que a “Missão” é ainda periférica na consciência e na prática eclesial. Além disso, muitos ainda entendem o compromisso missionário não como a saída de suas fronteiras, religiosas e culturais, e a abertura ao “outro” para partilhar com ele a experiência de Deus, mas como uma ação de proselitismo, ou pior, de reconquista e recomposição da cristandade.
É necessário que a consciência e a prática missionária se abram ao diálogo inter-religioso e inter-cultural, e tenham como objetivo, não a defesa ou a ampliação do “território” da Igreja ou o aumento estatístico do número dos batizados, e sim o anúncio e a construção do Reino de Deus no interior da Igreja e além-fronteiras, com o testemunho de vida pessoal e comunitária e em comunhão com todos os que sonham “outro mundo possível e necessário”, antecipação do Reino de Deus na história da humanidade. A Igreja não existe para si, mas para servir o mundo, seguindo o exemplo de Jesus: “porque o Filho do Homem veio, não para ser servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida em resgate e em favor de muitos” (Mc 10, 45).
Em seu manifesto sobre a Missão, Jesus nos disse que ela é a libertação dirigida aos pobres, aos tristes de coração, aos cativos, aos cegos e oprimidos, para que nasça um “novo céu” e uma “nova terra”. Nós estamos sendo chamados a continuar a Missão de Jesus com um coração católico, ou seja, aberto às dimensões do mundo. Diante da globalização neoliberal que cria relações injustas e opressivas, e que contamina e destrói a Criação, transformada em mercadoria, a Missão deve ser um compromisso para construir a globalização da justiça, da solidariedade e do cuidado pela Criação.
As intuições do Vaticano II
Que a V Conferência impulsione uma verdadeira reforma na Igreja, à luz da Palavra e na escuta do Espírito que nos fala através dos “sinais dos tempos”, em resposta aos novos desafios. Trata-se de reafirmar as intuições do Concílio Vaticano II e seus desenvolvimentos na consciência e na prática da Igreja:
- O primado absoluto da Palavra de Deus, continuamente “recordada” pelo Espírito Santo na realidade histórica, e conseqüentemente a atitude contemplativa e orante para um discernimento em sintonia com o mesmo Espírito e para a superação da rigidez da instituição eclesiástica.
- O reconhecimento da Igreja como Povo de Deus, onde todos somos iguais pelos sacramentos da iniciação e participação na Eucaristia. Na Igreja Povo de Deus os leigos adquirem seu verdadeiro lugar, com amplo espaço de iniciativa, liberdade, autonomia, participação e gestão de espiritualidades próprias. É neste contexto que se deve reconsiderar o papel da mulher na Igreja.
- A afirmação da colegialidade da Igreja, em todos os níveis, nos anima a superar o modelo “hierárquico, piramidal e centralizado”, para pensar e ensaiar um modelo “democrático e participativo”, porque “a Igreja não é uma democracia, mas muito mais”. Trata-se de partir com base nas CEBs, já que permitem ver uma Igreja como rede de comunidades e como um novo jeito de ser Igreja no interior das paróquias e dioceses. Assim a Igreja se converteria numa comunidade de liberdade, de diálogo, de acolhida e de igualdade.
- Uma nova relação com o mundo, reconhecendo o pluralismo religioso e cultural não como um obstáculo a uma autêntica evangelização, mas como um precioso espaço de diálogo e de enriquecimento mútuo. Assumir uma nova linguagem que torne compreensível a mensagem para as novas gerações, valorizando a autonomia das realidades temporais e partilhando com os homens e mulheres de hoje as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias.
Boa Notícia
Muitas pessoas na Igreja e fora dela, pensam e temem que a V Conferência seja um retrocesso ou uma tentativa de bloquear o caminho que a Igreja na América Latina fez durante os últimos 40 anos, fechando as portas para a profecia e o diálogo.
Como missionários, esperamos que na V Conferência se repita a experiência espiritual do Pentecostes, e que a força do Espírito rompa os muros do medo e empurre os bispos a abrir as portas para anunciar as maravilhas do amor de Deus, visíveis em Jesus crucificado e ressuscitado. Esperamos uma palavra cheia de esperança que ilumine o caminho de tantos homens e mulheres desesperados, vítimas da injustiça e da violência que enchem de dor e morte este mundo. A V Conferência será celebrada na casa de Maria Aparecida, padroeira do Brasil. Esperamos que os bispos e delegados participantes lá reunidos, sintam seu coração pulsar e saibam anunciar aos povos do continente a profecia de Maria: “Dispersa os soberbos de coração, derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias” (Lc 1, 51- 53).
Assim, a V Conferência será uma “Boa Notícia”, um momento de verdadeira evangelização. Todos os que sonham e trabalham para mudar a realidade e construir um novo mundo fundado sobre a justiça, a solidariedade e a fraternidade, sintam-se alentados em seu sonho e seu compromisso porque Deus está com eles: seu sonho e seu compromisso é o mesmo sonho e compromisso de Deus.
Antonio Bonanomi é missionário, diretor do “Centro Misión y Cultura” em Bogotá, Colômbia. Publicado na edição N 04 - Maio 2007 - Revista Missões. www.revistamissoes.org.br