Elas têm o poder extraordinário de interferir na fé. Mais ainda, as histórias ajudam a definir e fortalecer indivíduos e comunidades, até nações. Elas apresentam uma janela através da qual se pode ver o mundo e compreendê-lo. Captam a experiência humana falando de compaixão, conversão, perdão, graça, alegria, reconciliação e unidade. Elas penetram no mais profundo do coração humano, no mistério da vida, nas relações humanas e nas relações com Deus. As histórias dos povos da Ásia, com suas religiões, podem ajudar-nos a compreender o caminho espiritual deste continente.
Jesus, o relator
A metodologia missionária de Jesus compreendia, entre outras formas, aquela de contar histórias. Como Mestre, ele desafiava o povo com as parábolas, as quais propunham novas possibilidades e abriam novos horizontes nas relações de cada pessoa com Deus e com o próximo. Como relator, Jesus reunia experiências e fatos da vida de cada dia, reinterpretando-os de modo que os discípulos e aqueles que o ouviam pudessem compreender real e profundamente o que era o Reino de Deus. Ele convidava o povo a olhar a vida com olhos novos, a adotar valores diferentes daqueles que a cultura e a sociedade propunham como verdadeiros. O missionário, como os discípulos, os santos, os mártires e tantos outros ao longo da história da Igreja, é aquele que centraliza sua vida na história de Jesus. Em outras palavras, é a pessoa que conhece Jesus, sua obra, paixão, morte e ressurreição. Após ter ouvido, fez uma profunda reflexão sobre o significado desta história, integrando-a na sua vida e finalmente desejou relatá-la a outros. O missionário, então, é aquele ou aquela que leva no coração o desejo de relatar o amor de Deus encarnado em Jesus, do começo ao fim, uma história de grande compaixão e misericórdia.
Como falar de Jesus?
O tema central do Congresso foi exposto por dom Luís Antônio Tagle, bispo de Imus, Filipinas. O discurso foi dividido em duas partes: compreensão da história e método para relatar histórias e Missão: um relato de histórias.
A nossa vida tem em si mesma uma estrutura narrativa, ou seja, ela é composta por muitas histórias. As melhores são as baseadas na experiência. Uma boa história não depende do modo como acaba ou do estilo como é relatada, mas da credibilidade do relator. O relator mais crível é aquele que viveu a experiência e a relata na primeira pessoa. Nossas melhores histórias são as que revelam quem nós somos. Quando falo de mim mesmo, minha história fala também de outras pessoas e de acontecimentos comuns, ajudando-me a compreender o mundo no qual vivo.
As histórias são dinâmicas, abertas às novas interpretações, a novos elementos e podem ser relatadas de formas diferentes. Este processo é possível com nossas memórias: cada uma delas é composta de experiências que lembramos no presente. O passado continua a ter seus efeitos sobre nós, continua a modelar-nos. Ao mesmo tempo, ele pode ser visto numa nova perspectiva, baseada em novas experiências. O passado oferece novas possibilidades para o futuro, abre o caminho à transformação. E assim percebemos o quanto nós mudamos e o quanto ainda devemos mudar.
As histórias revelam nossa identidade pessoal, os valores nos quais acreditamos, as leis morais que orientam nossa vida. Sempre que relatamos uma experiência, revelamos aquilo que consideramos fundamental e importante para nós, revelamos também em qual espiritualidade e esperança depositamos nossa fé. Os símbolos morais e doutrinais (a cruz, o altar, o pão e o vinho...) são compreendidos somente quando uma história é relatada e acreditada.
Uma história precisa de um ouvinte. Após ter experimentado ou vivido uma coisa boa ou ruim, temos vontade de relatá-la aos outros. Minha história pode despertar no ouvinte experiências parecidas. Ele se transforma, por sua vez, em narrador de novas histórias baseadas na minha. Um bom ouvinte se tornará um bom narrador.
As histórias podem ser relatadas numa variedade de formas, também quando a gente não está literalmente narrando uma experiência. Por exemplo: as histórias podem ser narradas através de cartas, via internet, fotos, livros, vídeos, linguagem corporal, cinema, teatro, entre outros. Até o silêncio de uma pessoa pode relatar uma história de modo sonoro e eficaz. Elas podem ser suprimidas, caladas, escondidas e nunca ser reveladas. Por exemplo, a dor, a vergonha, o medo que nasce após uma experiência de sofrimento pode fazer com que a vítima nunca o narre. Em casos limites, a vítima pode até negá-la. Pensemos nas ditaduras, nos sistemas e regimes opressivos, nas explorações de tantas pessoas frágeis, nas perseguições dos escritores, jornalistas e outros que se opuseram aos sistemas políticos. Pensemos em tantos mártires que deram suas vidas porque narraram a história de Jesus. E isto continua até hoje.
Jesus na Ásia?
Esta forma narrativa é um estilo aceitável de fazer Missão? A Igreja é missionária por natureza: sua tarefa é de continuar a concretizar a mesma missão de Cristo. O mesmo Deus é um narrador de histórias por meio do Espírito Santo, o qual narra a história de Jesus à Igreja. Na origem da Igreja está o Espírito Santo. “Estas coisas vos disse quando ainda estava convosco. Mas, o Consolador, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos lembrará tudo aquilo que eu vos disse” (João 14, 25). Aquilo que o Pai comunica a Jesus é logo ensinado à Igreja pelo Espírito Santo.
A Igreja relata a história de Jesus a partir da mesma experiência que tem Dele. Todos os povos e culturas aceitam somente a narração dos pregadores quando ela se baseia na verdade que nasce da experiência verdadeira. Em outras palavras, um pregador é aceito e digno de crédito somente quando fala baseado na própria experiência pessoal. Os discursos missionários começam precisamente numa experiência pessoal: um encontro com Cristo. Paulo, por exemplo, é um autêntico missionário não só porque encontrou Jesus, mas, sobretudo, porque foi transformado por ele. É exatamente sua experiência pessoal que se transforma em centro das histórias que relata sobre Jesus, dando a elas veracidade e autenticidade. Lembremos suas palavras: “Fui crucificado com Cristo, não sou mais eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Assim deve ser com os missionários e missionárias hoje. Exige-se uma experiência com Jesus, baseada na oração, na procura de pessoas, na leitura dos sinais dos tempos. Se formos fiéis à nossa vocação, a história de Jesus manifestará a identidade da Igreja em meio aos povos, às culturas e as religiões da Ásia.
Então, como deve a Igreja, presente na Ásia, relatar a história de Jesus? Deve, antes de mais nada, narrar a história do encontro pessoal e comunitário sem esconder a identidade cristã: somos discípulos de Cristo, acreditamos nele. Logo, deve falar de Jesus, relatar sua história sublinhando a relação e o diálogo dele com os pobres, com as outras religiões e culturas. A Missão se torna, então, não somente um agir rumo às outras culturas, mas, um agir no meio das outras culturas (Ad Gentes). Lembramos Jesus relatando o que Ele disse e fez. A vida daqueles que se dedicam aos outros em nome de Jesus torna-se uma história viva que também os povos da Ásia desejam ouvir, com métodos novos, criativos e variados. A Igreja não pode suprimir isso. Ela deve ouvir as histórias daqueles que não podem narrá-las aos outros, sobretudo, os pobres e excluídos.